Reservatórios de água da região têm, em média, 16,3% da capacidade de armazenamento; rios e açudes estão secos
Valdecir
João da Silva, de 53 anos, conta os cadáveres do seu pequeno rebanho
que não resistiu à fome, à falta de água e às doenças causadas pela
desnutrição. Em uma área afastada da pequena casa onde vive com a
família, ele juntou 12 animais mortos ao longo dos últimos meses. De
alguns, restam os ossos. De outros, mais recentes, os corpos inchados.
“Morreram de fome”, resume ele, que prefere deixá-los aos urubus a
enterrá-los. Ele tenta salvar os 20 animais que restam com mandacaru, a
planta símbolo do Nordeste. “Ração não dá para comprar, pois está muito
cara. O saco de milho que custava R$ 18 há dois anos hoje sai por R$
65.”
No sertão de Petrolina, quinta maior cidade de Pernambuco, não
choveu por 11 meses. Em meados de dezembro, caiu uma chuva forte, mas
logo parou. O receio dos sertanejos do semiárido é de que se repita o
ocorrido em janeiro passado, quando a chuva veio forte, “sangrou”
açudes, mas durou só duas semanas.
“Plantei 60 quilos de milho e de
feijão, mas não choveu mais e perdi tudo. Não deu nem palha”, diz
Josilane Rodrigues, de 25 anos, enquanto expõe 11 ovelhas em uma feira
em Dormentes, a 130 km de Petrolina. Quer vendê-las, mesmo a preço
baixo, por não ter como alimentá-las.
“Vou vender a qualquer
preço porque não quero voltar com eles”, afirma Francisco Agostinho
Rodrigues, de 64 anos, que levou à feira 23 de seus 60 animais. “A gente
vende algumas para dar de comer às outras”. A feira semanal de
Dormentes reúne, em média, 3,6 mil animais e atrai compradores da região
e de outros Estados. Em tempos bons, tudo é vendido. Agora, em razão da
crise e da seca, o número de animais expostos caiu à metade e muitos
voltam para casa por falta de interessados, diz João Batista Coelho, da
Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária.
Após cinco anos
seguidos de volume de chuvas abaixo da média histórica, a seca do
semiárido já é considerada a maior do século. A região inclui Alagoas,
Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e
o norte de Minas Gerais e conta com cerca de 23 milhões de habitantes.
Água.
Grandes reservatórios do Nordeste – com potencial de armazenar mais de
10 bilhões de litros de água – operam, em média, com 16, 3% da
capacidade, porcentual que era de 46,3% há cinco anos. Dos 533
reservatórios da região monitorados pela Agência Nacional de Águas
(ANA), 142 estão secos.
Segundo Raul Fritz, da Fundação Cearense de
Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), “não se via seca tão severa
para um período consecutivo desde 1910”, quando dados sobre as chuvas
passaram a ser coletados. O Ceará é o Estado em pior situação. Seus
reservatórios têm apenas 7% da capacidade armazenada. Nos últimos cinco
anos, choveu em média 516 milímetros no território, enquanto a média
mínima é de 600 milímetros. “E o Ceará é o retrato do que ocorre nos
demais Estados”, diz Fritz.
Vários rios e açudes também secaram.
Muitos moradores, inclusive em grandes cidades, só têm acesso à água
fornecida por caminhões-pipa bancados pelos governos federal e
estaduais.
De 2012 a 2015, o Nordeste registrou prejuízos de R$ 104
bilhões com a seca. O valor equivale a quase 70% das perdas em razão
desse fenômeno em todo o Brasil, segundo a Confederação Nacional de
Municípios (CNM). Os valores de 2016 ainda não foram contabilizados.
Em
Pernambuco, onde boa parte dos 185 municípios está em situação de
emergência, a perda chega a R$ 1,5 bilhão só na pecuária. O rebanho
bovino, formado por 2,5 milhões de cabeças em 2011, diminuiu em 554 mil
cabeças no ano passado.
Ainda que caprinos e ovinos tenham sofrido
com a estiagem, como os do criador Silva, o rebanho cresceu por ter
substituído o gado, que é menos resistente à seca. O número de cabras,
bodes e cabritos passou de 1,9 milhão para 2,4 milhões em quatro anos. O
de ovinos saltou de 1,8 milhão para 2,4 milhões.
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