
A
greve de 1917 marcou de forma profunda a vida sindical e social do
Brasil, pois havia assumido contornos inéditos ao abarcar diversos ramos
de atividade, categorias que paralisaram cidades, regiões e se
estenderam por diversos estados no país reivindicando reformas sociais e
econômicas para melhorar radicalmente as condições de vida e trabalho
da classe trabalhadora.
Sua novidade está na abrangência das
categorias paralisadas, na pauta apresentada e na sua duração (seus
efeitos seguiram até 1919) e também porque contou com o apoio da
população.
O período de 09 a 16 de julho de 2017 foi decisivo.
As mortes do pedreiro Nicola Salerno, da menina Edoarda Bindo e
principalmente a do jovem sapateiro anarquista espanhol José Gimenez
Martinez feito pela polícia de cavalaria durante o protesto dos
trabalhadores e trabalhadoras da fábrica Mariângela em São Paulo gerou
uma onda de protestos e fez aumentar a solidariedade de classe ao se
transformar num grande comício na Praça da Sé. Logo os cerca de 400
empregados da indústria têxtil Crespi – a maioria mulheres e crianças,
filiadas à Liga Operária da Mooca fundada em maio de 1917– paralisaram
os trabalhos e esse ato foi o mais inspirador para as outras categorias.
Vale destacar que uma das reivindicações era contra o assédio sexual
sofrido a partir dos contramestres (supervisores). Esses dois fatos
deram o passo inicial para mais 70 mil pessoas irem às ruas em São Paulo
para protestar contra a situação política, social e econômica
brasileira. Greves marcadas essencialmente pelas ideias anarquistas e
socialistas.
Parou o comércio, o transporte, os funcionários
públicos aderiram. Nas suas havia barricadas, bondes e veículos
incendiados, armazéns saqueados. A situação tomou as proporções em razão
da conjuntura, pois a primeira Guerra Mundial na Europa fez os produtos
brasileiros se valorizarem e aumentou significativamente a demanda. O
resultado geral foi aumento do trabalho sem aumento do salário (passando
de 13 horas para 16 horas a jornada de trabalho), alta dos preços
gerais no país onde já havia um enorme desemprego. A Revolução Russa foi
também um fator importante porque forneceu o instrumental político,
ideário e social.
Em março de 1917 o movimento contra a
“carestia da vida” já estava nas ruas protestando contra a alta dos
preços dos alimentos, outros produtos e dos serviços públicos como
transporte.
Seguiram novas paralisações no Rio de Janeiro, Rio Grande
do Sul, Bahia, Pernambuco, Minas Gerais e Santa Catarina. E importante
destacar que esses estados, a exceção de Minas Gerais e Santa Catarina
já estavam organizados em entidades sindicais cujo resultado foi a
fundação da Confederação Operária Brasileira em 1906.
Outro
fator pouco mencionado é a participação dos trabalhadores rurais
assalariados principalmente das fazendas de café, algodão, cacau e dos
engenhos de açúcar. A greve de julho de 2017 foi geral também pela
participação destes trabalhadores cujo trabalho explorado já vinha
registrando graves problemas de descumprimento das “leis”. Exemplo disso
foi a obrigação do Governo Federal publicar o decreto nº 1.150 de 05 de
janeiro de 1904 que “confere privilegio para pagamento de divida
proveniente de salários de trabalhador rural” garantindo, inclusive, ao
trabalhador de usar as prerrogativas de ação sumária, embargo ou arresto
assecuratório para garantir o pagamento do salário (art. 3º);
obviamente somente nos casos posteriores à edição da referida lei e
depois de apurado o saldo em caderneta própria do trabalhador entre as
despesas contraídas e o valor devido pelo patrão.
A maioria
desses trabalhadores e trabalhadoras tanto no rural como no urbano eram
de imigrantes. Registra-se que em 1900 havia pelo menos 1.256.806
estrangeiros residindo no Brasil (7,27% da população total). Em 1920
1.590.378. Resguardada a dificuldade de dados estatísticos precisos do
período pelo menos 2,5 milhões de europeus migraram para o Brasil entre
1890 e 1914, 987 mil com sua passagem de navio paga por subsídio do
Estado.
O campo brasileiro guardava grande relação com a
indústria, pois produzia boa parte da matéria prima para a manufatura e o
capital acumulado pelo capitalista rural subsidiava e era investido na
indústria urbana que constava de indústrias têxteis, fundições,
indústrias de sabões, bebidas, produtos químicos, alimentícios e outras.
A
organização sindical rural já havia inclusive previsão em legal, a lei
nº. 979 de 06 de janeiro de 1903, cujo artigo primeiro assevera: “É
facultado aos profissionais da agricultura e indústrias rurais de
qualquer gênero organizarem entre si sindicatos para o estudo, custeio e
defesa dos seus interesses”. Aqui profissionais da agricultura sendo “o
proprietário, o cultivador, o arrendatário, o parceiro, o criador de
gado, o jornaleiro, e quaisquer pessoas empregadas em serviço dos
prédios rural, bem como a pessoa jurídica cuja existência tenha por fim a
exploração da agricultura ou outra indústria rural” conforme art. 4º,
inciso iv do decreto nº. 6.532, de 29 de junho de 1907.
As
principais obrigações prerrogativas eram: criação de fundos de apoio e
aposentadoria ou mesmo instituições de mutualidade e cooperação
quaisquer; exercer a função de intermediário do crédito a favor dos
sócios, adquirir para estes tudo que for mister aos fins profissionais,
bem como vender por conta deles os produtos de sua exploração em
espécie, bonificados, ou de qualquer modo transformados; organização de
caixas rurais de crédito agrícola e de cooperativa de produção ou de
consumo, de sociedade de seguros, assistência; formação de uniões, ou
sindicatos centrais com personalidade jurídica separada podendo abranger
sindicatos de diversas circunscrições territoriais.
As
reivindicações eram apresentadas ao patronato e ao governo a partir da
formação de Comitês de Defesa Proletária, uma representação das
categorias. As principais diziam respeito a: liberdade a todas as
pessoas detidas por motivo de greve; nenhum operário seja dispensado por
haver participado ativa e ostensivamente no movimento grevista;
garantia de trabalho permanente; respeitado ao direito de associação
para os trabalhadores; abolida de fato a exploração do trabalho de
menores de 14 anos nas fábricas, oficinas e fazendas; abolição do
trabalho noturno para menores de 18 anos e para as mulheres; aumento de
35% para os salários médios e 25% para salários superiores; jornada de
08 horas semanais sendo de 06 horas para mulheres e crianças; aumento de
50% nas horas extras; redução dos preços dos gêneros de primeira
necessidade em geral; criação de mercados livres nos bairros operários e
matadouro municipal para fornecer carne à população a preço razoável;
obrigatoriedade da venda do pão a peso e fixação semanal do preço do
quilo; controle das tarifas de transporte por meio de subsídios da
municipalidade; controle dos preços dos aluguéis e dos produtos vendidos
nos barracões das fazendas rurais e nos armazéns urbanos, inclusive o
direito de não ser obrigado a comprar nesses estabelecimentos.
Resultado
das greves e mobilizações de que sacudiram o país entre 1917 e 1919, o
debate a propósito das questões social e do trabalho e as medidas
necessárias para enfrentá-las alcançou notável espaço no cenário
político nacional. Segundo afirma Raimundo Faoro, autor de Os Donos do
Poder, “atingem grau de efervescência quase revolucionária”.
Sua
importância está em outros aspectos, na consolidação da formação da
classe trabalhadora composta de escravos libertos, do agricultor
familiar camponês, dos imigrantes e dos migrantes principalmente das
secas do Nordeste. Esse panorama se consolida a partir de duros
conflitos sociais e econômicos. A exploração e o descaso com os
contratos de colonato e contratos urbanos, as burlas às leis contra a
escravidão e a relação direta das elites com o legislativo, executivo e o
judiciário, favoreceram ao trabalhador urbano e rural a paulatina
construção de uma consciência de classe a partir do chão da fábrica e da
lida no campo como agricultor familiar ou assalariado.
Afirma-se
como um sujeito histórico no embate contra hegemônico ao entrar no jogo
social de apresentar um projeto para o conjunto da sociedade. Vai lutar
para aperfeiçoar e construir novas leis sindicais, as quais irão
constitui-se no intervalo entre as lutas da classe trabalhadora por
direitos e cidadania e as respostas do patronato e do Estado.
A NECESSIDADE DO SINDICATO
Mas, quem é o Sindicato?
Ele fica sentado em sua sede com o telefone?
Seus pensamentos são secretos, suas decisões desconhecidas?
Quem é ele?
Você, eu, vocês, nós todos.
Ele veste sua roupa, companheiro, e pensa com
A sua cabeça.
Onde você mora é a casa dele.
Luta!
Mostre-nos o caminho que devemos seguir e,
Nós seguiremos com você.
Mas não siga sem nós o caminho correto.
Ele é, sem nós, mais errado.
Não se afaste de nós.
Podemos errar e você ter razão, portanto não se afaste de nós!
Que o caminho curto é melhor que o longo
Ninguém nega.
Mas quando alguém o conhece e não é capaz
De mostra-lo a nós, de que serve sua sabedoria?
Seja sábio conosco!
Não se afaste de nós!
Bertolt Brecht
Lutar para nós é um destino,
Uma ponte entre a desesperança
E a certeza de um mundo novo.
Agostinho Neto
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FONTE: Assessoria presidência CONTAG - Givanilson Porfírio da Silva |