A Câmara dos Deputados aprovou, por 378 votos a favor e 80 contrários, nesta quinta-feira (9) o texto-base do projeto de lei que institui o novo Código Eleitoral.
Com 898 artigos e quase 400 páginas, a proposta faz uma reformulação ampla em toda a legislação partidária e eleitoral. No último dia 31, o plenário da Câmara aprovou, por 322 votos a 139, o regime de urgência para tramitação do projeto.
Para a conclusão da votação, os deputados ainda precisam analisar os chamados destaques, que são sugestões de alteração na matéria. Em seguida, o texto irá ao Senado.
Entre as mudanças estabelecidas no relatório, estão: a proibição de divulgação de pesquisas eleitorais na véspera e no dia do pleito; e a obrigação dos institutos de informar o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
Essas alterações são vistas por especialistas como um cerceamento de informações para o eleitor. Analistas afirmam ainda que a proibição de divulgação de pesquisas de institutos confiáveis às vésperas das eleições pode estimular a circulação de números falsos, confundindo os eleitores.
Outras mudanças também são alvo de críticas, como a possibilidade de novos gastos com o fundo partidário e dispositivos que são considerados restrições à fiscalização por parte da Justiça Eleitoral.
A relatora da proposta, deputada Margarete Coelho (PP-PI), também incluiu uma quarentena obrigatória de cinco anos para militares, juízes, membros do Ministério Público e policiais. A mudança, porém, só valerá a partir das eleições de 2026.
Veja pontos da proposta:
Pesquisas eleitorais
Pelo projeto, as pesquisas realizadas em data anterior ao dia das eleições só poderão ser divulgadas até a antevéspera do pleito. Hoje, institutos podem divulgar pesquisas de intenção de voto até o dia da eleição.
No caso de levantamentos realizados no dia das eleições, a divulgação só será permitida, no caso de presidente da República, após o horário previsto para encerramento da votação em todo território nacional.
Para os demais cargos, a divulgação poderá ser feita a partir das 17h, no horário local.
A relatora também manteve no texto o dispositivo que estabelece que os institutos de pesquisa terão que informar obrigatoriamente qual foi o percentual de acerto das pesquisas realizadas nas últimas cinco eleições.
O texto permite ainda que Ministério Público, partidos e coligações peçam à Justiça Eleitoral acesso ao sistema interno de controle das pesquisas de opinião divulgadas para que confiram os dados publicados.
Além disso, caso a Justiça autorize, o interessado poderá ter acesso ao modelo de questionário aplicado.
Segundo a proposta, o instituto de pesquisa encaminhará os dados no prazo de dois dias e permitirá acesso à sede ou filial da empresa “para exame aleatório das planilhas, mapas ou equivalentes”.
Uso do fundo partidário
O projeto lista uma série de despesas que podem ser pagas com recursos públicos do fundo partidário – como em propagandas políticas, no transporte aéreo e na compra de bens móveis e imóveis.
Diz, ainda, que a verba pode ser usada em “outros gastos de interesse partidário, conforme deliberação do partido político”. Isso, segundo especialistas, abre brecha para que qualquer tipo de despesa seja paga com o fundo – desde helicóptero a churrascos com chopp.
Fim do sistema próprio da Justiça Eleitoral
O projeto prevê que a apresentação dos documentos seja feita por meio do sistema da Receita Federal, não mais pelo modelo atualmente usado pela Justiça Eleitoral.
Técnicos afirmam que a mudança atrapalha as tabulações e os cruzamentos de dados feitos pela Justiça Eleitoral.
Teto para multas
A proposta estabelece o teto de R$ 30 mil para multar partidos por desaprovação de suas contas. Hoje, a legislação prevê que a multa será de até 20% do valor apontado como irregular, o que segundo especialistas pode chegar na casa dos milhões no acumulado. Além disso, o projeto prevê que a devolução de recursos públicos usados irregularmente pelos partidos deve ocorrer apenas “em caso de gravidade”.
Contratação de empresas
Permite que partidos contratem, com recursos do fundo partidário, empresas privadas para auditar a prestação de contas. Isso, na visão de técnicos, “terceiriza” o trabalho da Justiça Eleitoral, que hoje faz o acompanhamento diretamente, sem intermediários.
Fatos inverídicos
A proposta cria uma punição para quem divulgar ou compartilhar fatos “que sabe ou gravemente descontextualizados” com o objetivo de influenciar o eleitor. A pena, segundo a proposta, é de um a quatro anos e multa.
A pena pode ser aumentada, por exemplo, se o crime for cometido por meio da internet ou se for transmitido em tempo real; com uso de disparos de mensagem em massa; ou se for praticada para atingir a integridade das eleições para “promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais”.
Competências do TSE
O texto permite que TSE expeça regulamentos para fazer cumprir o Código Eleitoral, mas abre espaço para que o Congresso suspenda a eficácia desses normativos caso considere que o TSE foi além dos seus limites e atribuições.
Prescrição de processos
A proposta diminui o prazo da Justiça Eleitoral para a análise da prestação de contas dos partidos de cinco para três anos, sob pena de extinção do processo.
Além disso, outro dispositivo permite que novos documentos sejam apresentados a qualquer momento do processo pelos partidos. Segundo técnicos da Justiça Eleitoral, as duas mudanças facilitam a prescrição dos processos.
Crime de caixa dois
Institui o crime de caixa 2, que consiste “doar, receber ou utilizar nas campanhas eleitorais, próprias ou de terceiros, ainda que fora do período eleitoral, recursos financeiros, em qualquer modalidade, fora das hipóteses e das exigências previstas em lei”. A Justiça, no entanto, poderá deixar de aplicar a pena se a omissão ou irregularidade na prestação de contas se referir a valores de origem lícita e não extrapolar limite legal definido para a doação e para os gastos.
Na avaliação do Transparência Partidária, o dispositivo que limita a atuação da Justiça Eleitoral a verificar a regularidade da origem e a destinação dos recursos também dificulta a fiscalização do caixa 2.
Transporte de eleitores
O texto propõe a descriminalização do transporte irregular de eleitores. Pelo projeto, a infração passa a ser punida na esfera cível com aplicação de multa de R$ 5 mil a R$ 100 mil, sem prejuízo da possibilidade de ajuizamento de ação pela prática de abuso de poder.
Inelegibilidade
O projeto altera o período de inelegibilidade definido pela Lei da Ficha Limpa – o prazo continua sendo de oito anos, mas começará a contar a partir da condenação e não mais após o cumprimento da pena.
Anistia a partidos
Na última versão do relatório, Margarete propôs anistiar partidos que não cumpriram a cota de sexo e de raça em eleições antes da promulgação da lei. Ou seja, as siglas não seriam punidas com multas ou suspensão dos fundos partidário e eleitoral, nem com a necessidade de devolver os recursos.
O relatório, agora, prevê que os critérios para refinanciamento das sanções serão definidos em legislação futura.