quinta-feira, 29 de junho de 2023

Entenda o que significa pagar por água bruta no RN

 


O governo do Rio Grande do Norte tem discutido com entidades, conselhos e comitês de bacias hidrográficas (CBHs) a cobrança pelo uso da água bruta (aquela que ainda não foi tratada). A medida visa cumprir determinação constitucional e leis federal e estadual. Políticos de oposição à governadora Fátima Bezerra (PT) e parte do setor empresarial dizem temer que o pagamento adicional inviabilize a atividade rural.

“Não é uma taxa, não é uma tarifa e muito menos um imposto. É um preço público que incide sobre um bem público. Alguns bens são tão preciosos que tem uma valoração econômica para a sua proteção. A lei federal diz que a água é um elemento finito que tem valor econômico.”, explica o secretário estadual de Recursos Hídricos (Semarh), Paulo Varella, antecipando que os preços serão baixos, “questão de centavos”.

 A proposta tem sido construída, mas já está definido que serão isentos desse pagamento todos da agricultura familiar; agricultores com até 10 hectares irrigados; e quem tem poços em propriedades rurais para uso da casa ou abastecimento dos animais, até 120 mil litros de água por dia.

Assim, de acordo com o titular da Semarh, quase 90% dos agricultores serão isentos: “São valores muito pequenos, todavia, é importante dizer que nessa primeira minuta posta em discussão uma parte da população tem tratamento diferenciado.”

O Estado chegou aos valores a partir de estudos realizados em 2000 e 2009 (atualizando para 2023), que analisaram o poder pagador de todos os setores. O consumidor doméstico também deve pagar nova quantia, mas de forma reduzida, pois o setor de saneamento não é isento.

Não há data para implementação, mas sabe-se que será gradual. O secretário revela que a Caern (Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte) deve pagar meio centavo por mil litros de água. E o aumento será gradual até que, após oito anos, sete centavos sejam pagos pelos mil litros de água. Esse valor será pago pela Caern, não pelo consumidor final.

Essa arrecadação será destinada para o Fundo Estadual de Recursos Hídricos e só poderá ser aplicado no próprio setor, em gestão e desenvolvimento de projetos, assegurando uma fonte de recursos para investimentos.

Os produtores rurais são contra essa cobrança, segundo o presidente da Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca (Faern), José Vieira. “Temos conversado com o governo e ficamos de apresentar uma proposta até agosto. Eles deram sinal verde, mas não fechamos ainda a questão. Estamos conversando, achamos que a hora é inoportuna, porque o governo acabou de aumentar o ICMS de 18 pra 20%. Isso assusta o setor. É algo que vai pegar toda população potiguar, da dona de casa à indústria”.

Vieira explica que o cidadão paga a captação, o tratamento e a distribuição à Caern. A partir de agora vai haver a cobrança do produto água.

Justificativa

O governo garante que a medida, além de cumprir leis, se dá “em defesa de todos nós”. A cobrança, segundo Paulo Varella, é uma longa história, que começa com a Constituição Federal de 1988, que apresenta a importância do gerenciamento de recursos hídricos e determina a criação de um sistema específico para gerenciamento e uma política de recursos hídricos.

Cumprindo essa determinação, surgiu a Lei Federal n. 9.433 (Lei das Águas), de 8 de janeiro de 1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e seu sistema de gestão. A partir disso surgiu a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e secretarias de recursos hídricos.

No RN também foi estabelecida uma política, pouco antes da nacional, mas completamente alinhada a ela; trata-se da Lei nº 6.908, de 1º de julho de 1996.

“A lei federal é extremamente moderna, cria os comitês de bacias hidrográficas, entidades que não existiam até então. Determina que esse gerenciamento deve ser feito nas bacias, que funcionam como o coração desse sistema, formado pelo governo e pela sociedade civil”, avalia Varella, ao detalhar que um dos instrumentos da política nacional é a cobrança pelo uso da água.

Ele reforça que a cobrança da água bruta não é uma imposição autoritária ou de última hora. “Foi instituída aqui há muito tempo, aprovada na Assembleia Legislativa por unanimidade. Os instrumentos de gestão foram sendo regulamentadas e falta agora essa regulamentação. A responsabilidade direta disso é dos comitês de bacias. A proposta é de um decreto que cubra todas as bacias, o preço será único. O estado recebeu a missão, mas a governadora deu algumas diretrizes, isso terá que ser feito com absoluta transparência e discutido com todos os setores.”

Canavieiros, criadores de camarão, setor salineiro, fruticultura, e entidades como Fiern e Fecomercio são consultadas

Os CBHs são órgãos colegiados com funções deliberativas, normativas e consultivas, composto pelo poder público, usuários de água e sociedade civil com o objetivo principal de gerenciar as águas da bacia onde atua. No RN, existem CBHs do rio Ceará-Mirim; do rio Pitimbu e do rio Apodi-Mossoró.

O movimento nos estados brasileiros é para o cumprimento das leis de recursos hídricos. O Ceará implementou a cobrança em 1996; a Paraíba, em 2015; Pernambuco vai implementar em breve, assim como o Piauí, destaca o gestor potiguar.

Comitês federais, como do rio São Francisco, também fazem cobranças.

Na Assembleia Legislativa do RN o assunto é recorrente. Em maio, o mandato da deputada Cristiane Dantas (SDD), que é contra a proposta, realizou audiência pública para discutir os impactos da mudança. “Quero destacar que, da minha parte, além da iniciativa desta audiência pública, já manifesto que faremos os encaminhamentos legais que forem necessários para combater essa proposta abusiva de taxação do uso da água”, disse ela na ocasião.

Paulo Varella critica a desinformação espalhada a partir do anúncio. Chegaram a dizer que haveria tarifa na água do mar. A mentira teve que ser corrigida em nota pelo governo do estado. “Trata-se de um recurso sob competência da União”.

O gestor da Semarh alerta: “A desinformação traz problemas. Estamos chegando em um momento em que os estados do Nordeste, frente a mudanças climáticas e chegada das águas do São Francisco têm que ter gestão mais eficaz. É preciso que a gente encare de frente a gestão de recursos hídricos como absolutamente fundamental.”

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