terça-feira, 30 de maio de 2017

Impactos das reformas da Previdência Social e trabalhista são terríveis




Foto ilustrativa de agricultores familiares com sua produção

FOTO: Barack Fernandes
Ainda são três horas da manhã e a agricultura familiar Maria Aparecida Teles já está em pé preparando o café para ela, seu companheiro Salvador de Araújo, e para as duas filhas do casal. Da cozinha ela segue para o curral e, junto com Salvador, ela repete a mesma agenda de todos os dias: ordenhar as vacas, curar o leite, e preparar o queijo para ser comercializado. Do curral, os pés apressados da agricultora familiar riscam as veredas que cortam a propriedade... Maria não pode atrasar. Tem que arrumar a filha mais nova que vai para o Colégio. E assim, entre uma tarefa e outra, segue o dia, segue a vida da assentada da Reforma Agrária de Banco da Terra, em Juruá, Mato Grosso.  
 
Maria tem alguns sonhos. E não são dos mais arrojados. Quer permanecer com seu Salvador no campo, ver suas filhas crescerem por ali em condições dignas. Se aposentar com 55 anos, como resultado de quem trabalhou incansavelmente na propriedade, cuidando da casa e das duas filhas.
 
Porém, no meio do caminho do sonho de Maria apareceram as “reformas da previdência e trabalhista”, que podem mudar muitas regras em relação aos povos do campo. Dentre elas, a aposentadoria das trabalhadoras(es) rurais. “O governo tem que observar melhor nossa diária, principalmente de nós mulheres, que temos tantos afazeres. Eu comecei a trabalhar na roça foi com 12 anos de idade, batendo arroz, abanando o café, fazendo rapadura, farinha e ralando o jaracatiá (planta nativa da região). Aqui, no Assentamento, todas as mulheres acordam umas 3 horas da manhã para fazer o café. Depois estamos tratando os porcos, as galinhas, ajudando nossos maridos, cuidando dos filhos, da roça, de tudo. Agora vem o governo Temer dizer que não vamos nos aposentar como era antes? Perder nossos direitos? Acha pouco o que fazemos todos os dias e a condição horrível que vivem os rurais?”, desabafou a agricultora. 
 
Os retrocessos nos direitos trabalhistas também já são sentidos na região. “A reforma trabalhista nem foi sancionada e muita coisa também já mudou por aqui. Em Juruá, em Porto dos Gaúchos e em Novo Horizonte do Norte, as empresas já não cumprem os Acordos Coletivos de Trabalho. Dizem que vão dar 0% de reajuste salarial para os rurais, porque já é de bom tamanho manter o assalariado(a) no trabalho. E o Sindicato nem pode mais fazer qualquer intervenção para nos ajudar. Essa reforma trabalhista vai trazer o Coronelismo. Muitos agricultores(as)  estão migrando para serem assalariados(as).  Querem nos escravizar”, denuncia dona Maria Aparecida.
 
As consequências da aprovação das reformas da Previdência Social e trabalhista serão terríveis para todo os brasileiros(as), especialmente para os trabalhadores e trabalhadoras rurais. 
 
Secretária de Políticas Sociais da CONTAG, Edjane Rodrigues, em audiência pública no Senado Federal. Foto: Geraldo Magela - Agencia Senado 
 
Para fortalecer os argumentos contra as propostas, a CONTAG participou hoje de mais uma audiência pública no Congresso Nacional para reafirmar os impactos dessas propostas na vida dos(as) trabalhadores(as) rurais. A audiência foi realizada na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania do Senado Federal na manhã de hoje(29) e contou com a participação da secretária de Políticas Sociais da CONTAG, Edjane Rodrigues, e de lideranças de diversos movimentos sociais. Na ocasião foi lançada a publicação “O dragão debaixo da cama”, organizado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que traz mais de 50 artigos sobre os impactos das reformas na vida dos brasileiros(as).
 
“A CONTAG defende que os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais permaneçam como estão hoje, porque já temos o mínimo. Não podemos aceitar que tirem até isso de nós”, afirma Edjane Rodrigues.
 
Menos direitos por mais lucros
 
O Projeto de Lei 6442/2016, apresentado pelo deputado Nilson Leitão (PSDB-MT), tem como objetivo excluir os trabalhadores rurais da CLT e regular todos os direitos trabalhistas de quem vende sua força de trabalho no campo. Chega ao cúmulo de propor que o pagamento possa ser efetuado por meios alternativos, como moradia e comida. É, em resumo, uma lei que nos leva de volta ao tempo da escravidão. 
 
A reforma trabalhista proposta pelo atual governo federal é composta por inúmeros Projetos de Lei (PL), Medidas Provisórias (MP) e até uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um conjunto de propostas que tem como objetivo tornar os trabalhadores vulneráveis às imposições dos patrões. Os donos dos meios de produção querem impor uma carga maior de trabalho e não “gastar” dinheiro com direitos trabalhistas. Querem, por fim, o aumento dos próprios lucros, ganhando em cima da degradação do(a) trabalhador(a).
 
A reforma trabalhista começou pela aprovação da Lei 13.429/2016, que permite a terceirização de todas as funções de uma empresa. A lei também amplia o prazo do contrato temporário para 180 dias, podendo ser prorrogado por mais 90 dias, e mais: esses dias não precisam ser consecutivos. Isso significa que será mais vantajoso para o empregador contratar um(a) trabalhador temporário do que um permanente, pois para o temporário ele não precisará pagar férias, 13º salário e outros benefícios. Ele terá à disposição uma pessoa por 270 dias do ano sem se preocupar com a estabilidade trabalhista dela. É uma precarização do trabalho e torna a vida das pessoas muito insegura e estressante.
 
Existem ainda outros projetos para ser votados que, se aprovados, vão piorar ainda mais a vida dos(as) trabalhadores(as). Como o PL 6787/2016, por exemplo, que torna os acordos coletivos feitos entre patrões e empregados mais fortes que a legislação trabalhista e toma medidas que enfraquecem a representação dos(as) trabalhadores(as).Esse projeto regulamenta ainda o trabalho intermitente, ou seja, aquele que não é contínuo, que é interrompido. De acordo com o projeto, o (a) trabalhador(a) pode ficar à disposição do empregador, mas receber apenas pelas horas efetivamente trabalhadas. 
 
A PEC 300/2016 altera a Constituição para aprovar o aumento da jornada de trabalho para até 10 horas por dia, consolidar a prevalência das convenções e dos acordos coletivos sobre a legislação trabalhista e impõe o limite de dois anos para que o trabalhador possa entrar com ação trabalhista depois da extinção do contrato de trabalho. 
 
Sem Previdência
 
A proposta de contribuição mensal para o INSS durante 15 anos praticamente exclui 80% dos agricultores(as) familiares e assalariados(as) rurais do sistema de Previdência Social. Isso significa que oito a cada dez pessoas que vivem no campo nunca terão condições de se aposentar. Trata-se não apenas de crueldade social como também de uma estratégia econômica inviável, uma vez que a aposentadoria rural sustenta a economia de mais de 70% dos municípios brasileiros. 
 
Se falarmos também do aumento da idade mínima para ter direito ao benefício, também veremos claramente a injustiça social desta proposta – a PEC 287 quer manter em 60 anos a idade mínima do homem rural e aumentar para 57 a da mulher rural, enquanto hoje as idades mínimas são de 60 e 55 anos, respectivamente. Os dados do IBGE indicam que, no meio rural, a expectativa de vida é menor, o que significa que a maior parte dos trabalhadores rurais vai morrer antes de conseguir se aposentar. As mulheres serão ainda mais prejudicadas, pois têm a menor expectativa de vida de todos os grupos demográficos: no campo a carga de trabalho delas é tão exaustiva que a maioria vive só até os 72 anos de idade. Atualmente, a maior parte delas só alcança a independência financeira quando chega aos 55 anos. 
 
Isso depois de terem trabalhado praticamente desde a infância, uma vez que os mesmos dados apontas que em média 74% deles(as) começam a trabalhar antes dos 14 anos de idade. Assim, serão mais de 50 anos de trabalho em condições árduas, sem direito a férias, feriados, sem acesso pleno a políticas públicas como saúde, educação, transporte, tecnologia, sem opções de lazer.
 
FONTE: Assessoria de Comunicação da CONTAG - Lívia Barreto e Barack Fernandes

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