Ainda são três horas da manhã e a agricultura familiar Maria
Aparecida Teles já está em pé preparando o café para ela, seu
companheiro Salvador de Araújo, e para as duas filhas do casal. Da
cozinha ela segue para o curral e, junto com Salvador, ela repete a
mesma agenda de todos os dias: ordenhar as vacas, curar o leite, e
preparar o queijo para ser comercializado. Do curral, os pés apressados
da agricultora familiar riscam as veredas que cortam a propriedade...
Maria não pode atrasar. Tem que arrumar a filha mais nova que vai para o
Colégio. E assim, entre uma tarefa e outra, segue o dia, segue a vida
da assentada da Reforma Agrária de Banco da Terra, em Juruá, Mato
Grosso.
Maria tem alguns sonhos. E não são dos mais arrojados. Quer
permanecer com seu Salvador no campo, ver suas filhas crescerem por ali
em condições dignas. Se aposentar com 55 anos, como resultado de quem
trabalhou incansavelmente na propriedade, cuidando da casa e das duas
filhas.
Porém, no meio do caminho do sonho de Maria apareceram as “reformas
da previdência e trabalhista”, que podem mudar muitas regras em relação
aos povos do campo. Dentre elas, a aposentadoria das trabalhadoras(es)
rurais. “O governo tem que observar melhor nossa diária, principalmente
de nós mulheres, que temos tantos afazeres. Eu comecei a trabalhar na
roça foi com 12 anos de idade, batendo arroz, abanando o café, fazendo
rapadura, farinha e ralando o jaracatiá (planta nativa da região). Aqui,
no Assentamento, todas as mulheres acordam umas 3 horas da manhã para
fazer o café. Depois estamos tratando os porcos, as galinhas, ajudando
nossos maridos, cuidando dos filhos, da roça, de tudo. Agora vem o
governo Temer dizer que não vamos nos aposentar como era antes? Perder
nossos direitos? Acha pouco o que fazemos todos os dias e a condição
horrível que vivem os rurais?”, desabafou a agricultora.
Os retrocessos nos direitos trabalhistas também já são sentidos na
região. “A reforma trabalhista nem foi sancionada e muita coisa também
já mudou por aqui. Em Juruá, em Porto dos Gaúchos e em Novo Horizonte do
Norte, as empresas já não cumprem os Acordos Coletivos de Trabalho.
Dizem que vão dar 0% de reajuste salarial para os rurais, porque já é de
bom tamanho manter o assalariado(a) no trabalho. E o Sindicato nem pode
mais fazer qualquer intervenção para nos ajudar. Essa reforma
trabalhista vai trazer o Coronelismo. Muitos agricultores(as) estão
migrando para serem assalariados(as). Querem nos escravizar”, denuncia
dona Maria Aparecida.
As consequências da aprovação das reformas da Previdência Social e
trabalhista serão terríveis para todo os brasileiros(as), especialmente
para os trabalhadores e trabalhadoras rurais.
Secretária de Políticas Sociais da CONTAG, Edjane Rodrigues, em
audiência pública no Senado Federal. Foto: Geraldo Magela - Agencia
Senado
Para fortalecer os argumentos contra as propostas, a CONTAG
participou hoje de mais uma audiência pública no Congresso Nacional para
reafirmar os impactos dessas propostas na vida dos(as)
trabalhadores(as) rurais. A audiência foi realizada na Comissão de
Direitos Humanos e Cidadania do Senado Federal na manhã de hoje(29) e
contou com a participação da secretária de Políticas Sociais da CONTAG,
Edjane Rodrigues, e de lideranças de diversos movimentos sociais. Na
ocasião foi lançada a publicação “O dragão debaixo da cama”, organizado
pelo senador Paulo Paim (PT-RS), que traz mais de 50 artigos sobre os
impactos das reformas na vida dos brasileiros(as).
“A CONTAG defende que os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras
rurais permaneçam como estão hoje, porque já temos o mínimo. Não
podemos aceitar que tirem até isso de nós”, afirma Edjane Rodrigues.
Menos direitos por mais lucros
O Projeto de Lei 6442/2016, apresentado pelo deputado Nilson Leitão
(PSDB-MT), tem como objetivo excluir os trabalhadores rurais da CLT e
regular todos os direitos trabalhistas de quem vende sua força de
trabalho no campo. Chega ao cúmulo de propor que o pagamento possa ser
efetuado por meios alternativos, como moradia e comida. É, em resumo,
uma lei que nos leva de volta ao tempo da escravidão.
A reforma trabalhista proposta pelo atual governo federal é
composta por inúmeros Projetos de Lei (PL), Medidas Provisórias (MP) e
até uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), um conjunto de
propostas que tem como objetivo tornar os trabalhadores vulneráveis às
imposições dos patrões. Os donos dos meios de produção querem impor uma
carga maior de trabalho e não “gastar” dinheiro com direitos
trabalhistas. Querem, por fim, o aumento dos próprios lucros, ganhando
em cima da degradação do(a) trabalhador(a).
A reforma trabalhista começou pela aprovação da Lei 13.429/2016,
que permite a terceirização de todas as funções de uma empresa. A lei
também amplia o prazo do contrato temporário para 180 dias, podendo ser
prorrogado por mais 90 dias, e mais: esses dias não precisam ser
consecutivos. Isso significa que será mais vantajoso para o empregador
contratar um(a) trabalhador temporário do que um permanente, pois para o
temporário ele não precisará pagar férias, 13º salário e outros
benefícios. Ele terá à disposição uma pessoa por 270 dias do ano sem se
preocupar com a estabilidade trabalhista dela. É uma precarização do
trabalho e torna a vida das pessoas muito insegura e estressante.
Existem ainda outros projetos para ser votados que, se aprovados,
vão piorar ainda mais a vida dos(as) trabalhadores(as). Como o PL
6787/2016, por exemplo, que torna os acordos coletivos feitos entre
patrões e empregados mais fortes que a legislação trabalhista e toma
medidas que enfraquecem a representação dos(as) trabalhadores(as).Esse
projeto regulamenta ainda o trabalho intermitente, ou seja, aquele que
não é contínuo, que é interrompido. De acordo com o projeto, o (a)
trabalhador(a) pode ficar à disposição do empregador, mas receber apenas
pelas horas efetivamente trabalhadas.
A PEC 300/2016 altera a Constituição para aprovar o aumento da
jornada de trabalho para até 10 horas por dia, consolidar a prevalência
das convenções e dos acordos coletivos sobre a legislação trabalhista e
impõe o limite de dois anos para que o trabalhador possa entrar com ação
trabalhista depois da extinção do contrato de trabalho.
Sem Previdência
A proposta de contribuição mensal para o INSS durante 15 anos
praticamente exclui 80% dos agricultores(as) familiares e
assalariados(as) rurais do sistema de Previdência Social. Isso significa
que oito a cada dez pessoas que vivem no campo nunca terão condições de
se aposentar. Trata-se não apenas de crueldade social como também de
uma estratégia econômica inviável, uma vez que a aposentadoria rural
sustenta a economia de mais de 70% dos municípios brasileiros.
Se falarmos também do aumento da idade mínima para ter direito ao
benefício, também veremos claramente a injustiça social desta proposta –
a PEC 287 quer manter em 60 anos a idade mínima do homem rural e
aumentar para 57 a da mulher rural, enquanto hoje as idades mínimas são
de 60 e 55 anos, respectivamente. Os dados do IBGE indicam que, no meio
rural, a expectativa de vida é menor, o que significa que a maior parte
dos trabalhadores rurais vai morrer antes de conseguir se aposentar. As
mulheres serão ainda mais prejudicadas, pois têm a menor expectativa de
vida de todos os grupos demográficos: no campo a carga de trabalho delas
é tão exaustiva que a maioria vive só até os 72 anos de idade.
Atualmente, a maior parte delas só alcança a independência financeira
quando chega aos 55 anos.
Isso depois de terem trabalhado praticamente desde a infância, uma
vez que os mesmos dados apontas que em média 74% deles(as) começam a
trabalhar antes dos 14 anos de idade. Assim, serão mais de 50 anos de
trabalho em condições árduas, sem direito a férias, feriados, sem acesso
pleno a políticas públicas como saúde, educação, transporte,
tecnologia, sem opções de lazer.
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FONTE: Assessoria de Comunicação da CONTAG - Lívia Barreto e Barack Fernandes | |||
terça-feira, 30 de maio de 2017
Impactos das reformas da Previdência Social e trabalhista são terríveis
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