Um dos mais talentosos arquitetos de São Paulo do século XVIII era um homem negro escravizado. Joaquim Pinto de Oliveira, ou Tebas, como ficou conhecido, conseguiu a alforria aos 58 anos e deixou sua marca na cidade escravocrata. Responsável pela ornamentação de diferentes igrejas, ele teve participação em obras importantes como os projetos de restauração do Mosteiro de São Bento (1766 e 1798) e da antiga Catedral da Sé (1778).
Especialista na arte e na técnica de talhar e aparelhar pedras, Tebas impactou de forma decisiva uma São Paulo até então erguida principalmente com taipas, construções de barro com possibilidades estéticas muito limitadas. Seu trabalho era requisitado, sobretudo, pelas ordens religiosas presentes na cidade desde a fundação.
“Ele foi um construtor que chegou a São Paulo escravizado, vindo de Santos, trazido por um mestre pedreiro português que identificou na cidade uma oportunidade de trabalho”, conta o jornalista Abilio Ferreira, organizador do livro Tebas: um negro arquiteto na São Paulo escravocrata, lançado em 2019 por ele, Carlos Gutierrez Cerqueira, Emma Young, Ramatis Jacino e Maurílio Chiaretti.
“Na época, quem tinha recursos eram as corporações religiosas. Por isso, ele atuou nos três vértices do chamado triângulo histórico formado pelos conventos de São Bento, do Carmo e de São Francisco”, recorda o escritor. O trabalho cuidadoso com ornamentos transformou o pedreiro de ofício num arquiteto disputado, contratado pelos beneditinos, carmelitas, franciscanos e católicos.
Embora tenha tido seu talento reconhecido em vida, sua história foi perdida com o tempo até cair no esquecimento. Apesar disso, obras como as fachadas da Igreja da Ordem 3ª do Carmo e da Igreja das Chagas do Seráfico Pai São Francisco, ambas no centro da capital, resistem ao tempo e continuam de pé. Seu trabalho mais conhecido não teve a mesma sorte. O Chafariz da Misericórdia, primeiro chafariz público da capital, foi demolido em 1866 após o processo de canalização de água no centro. A obra, erguida onde hoje está a Rua Direita, funcionava como um ponto de encontro de escravizados que buscavam água para seus senhores.
Longevo e talentoso, Joaquim Pinto de Oliveira exerceu seu ofício até os 90 anos. Morreu no dia 11 de janeiro de 1811, vítima de uma gangrena possivelmente causada por acidente de trabalho. E, apesar de ter definido os traços da arquitetura colonial paulistana, apenas foi reconhecido arquiteto mais de 200 anos depois, em 2018, pelo Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo (Sasp), depois que documentos oficiais localizados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) revelaram as relações de trabalho entre o arquiteto escravizado e as ordens religiosas. “É importante ressaltar que Tebas não era uma excessão. Os africanos transplantados para as Américas trouxeram consigo muitos conhecimentos, principalmente sobre o trabalho com pedras e metais”, afirma Abilio. “Ele é mais um personagem que nos oferece pistas que dignificam esse segmento da população esquecida”.
Após o lançamento do livro, o grupo de pesquisadores agora busca apoio para fortalecer as pesquisas e descobrir mais detalhes da trajetória, do legado e da história de vida de Tebas. “Ainda faltam muitas peças nesse quebra-cabeça. A pesquisa sobre essa figura histórica precisa ser estimulada. Há muitas perguntas sem respostas, como a sua religião, além de muitas outras obras, em São Paulo e Santos, que podem ser de autoria dele e sequer imaginamos”. Veja mais sobre a vida e obra de Tebas AQUI.
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