segunda-feira, 29 de junho de 2020

PEQUENO RELATO DA VIDA DE CRISTINO JERÔNIMO DA SILVA

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Cristino Jerônimo da Silva, como bom nordestino que se preza, nasceu no Sítio Caicará, no pé da serra da cozinha, município de Várzea/PB, no dia 14 de fevereiro de 1941, numa sexta-feira, às 08:00 horas. Filho de João Jerônimo da Silva e de Libânia Lília da Silva e irmão de Luiz Jerônimo da Silva, todos trabalhadores do campo. Seus primeiros passos foram sofridos e penosos na região inóspita em que nasceu. Seus pais não tinham terra para plantar e viver e a única saída para tão difícil vida da família era o trabalho pesado, sem tréguas e em terras alheias. Quando Cristino Jerônimo da Silva tinha um ano de idade, seus pais se mudaram do estado da Paraíba para o estado do Rio Grande do Norte, fixando residência no Sítio Cordeiro, município de Caicó, divisa com o município de São João do Sabugi, e neste município foi registrado, sendo, portanto naturalizado cidadão sabugiense, por força do destino. 

Desde cedo começou a acompanhar seus pais na labuta diária, tendo que ser levado para o campo enquanto seu pai trabalhava a terra dura e seca. Ainda criança, com 6 (seis) anos de idade, Cristino ajudava nos afazeres domésticos e por mais de 20 (vinte anos), todos os dias, bem cedo, caminhava 3 (três) quilômetros, a cavalo ou a pé, juntamente com seu pai para trabalhar na agricultura, no Sítio Juá, município de Caicó, de propriedade do Senhor Francisco Filadelfo Galvão (Chico Filó). Foram mais de 20 anos, dedicado a agricultura, trabalhando debaixo de chuva, sol quente, sereno e poeira, para ajudar seus pais na mantença da casa simples e humilde. Foi um começo de vida sofrido e áspero, que o futuro não vislumbrava e o razoável ainda estava por vir. Seu pai, desde que chegou na propriedade “Cordeiro”, não parava de trabalhar plantando, milho, feijão, algodão, batata doce e outras culturas. Tudo apenas para levar o sustento suficiente para alimentar a família. E no início não esquecia seu pequenino Cristino, que cabia numa rede que era armada debaixo dos juazeiros e cajueiros da propriedade, o mesmo ocorrendo com o seu único irmão, Luís. Em casa apenas rude objetos do lar rústico e pobre, como pote, mesa, cadeiras poucas, panelas de barro e redes para dormir. Nada mais, como ainda hoje é a vida de muitos que trabalham no campo para alimentar a sociedade urbana. Direitos! Nenhum. Previdência e segurança, Nenhuma! Assim era a vida. O Deus dará com a sorte de nunca adoecer e nem ser mordido de cobra. Remédio! Do mato. Era o homem lutando na natureza. E assim, vivendo Cristino, mas sem reclamar da vida, se pondo rapaz, enquanto seus pais, calejados pelas intempéries e adversidades, continuavam provando que o Sertanejo é forte e obstinado. 

Quando era no período de estiagem Cristino e seu irmão, Luís se dedicava ao trabalho de construção de açudes no Rio Grande do Norte e no Estado da Paraíba ao lado de seu pai, com tropas de burros, de jumento e à confecção de picarete e pá, fazendo produção para adquirir recursos com a finalidade de comprar um pedaço de terra. Com muito esforço, trabalho e perseverança, no dia 21/11/1969, a família conseguiu comprar uma pequena propriedade rural, denominada de Sítio Cordeiro, e neste pedaço de terra construiu uma casa e fixou residência. E em tudo não faltou a participação efetiva do já então rapaz, Cristino Jerônimo da Silva, que como Luís, era dedicado a tudo que se relacionasse a família. Neste momento o sofrimento aliviou um pouco, porque seus pais e eles, filhos, já tinham onde morar, sem a constante ameaça do esbulho. Era um pequeno pedaço de terra, mas o suficiente para resistir a família as dificuldades e adversidades da região. Sempre muito popular, conversador e com um sorriso no rosto, Cristino fazia amizade com facilidade. Desde pequeno gostava muito de forró e também de cantar e dançar. Quando adolescente, seu lazer era aos domingos, na companhia de amigos e primos, que se juntavam na residência de familiares, para ouvir música e forró pé de serra, através da Rádio Rural de Caicó. Gostava de participar das festas de padroeiras, tanto no Distrito Palma, na Festa de Santo Antonio, quanto nas cidades de São João do Sabugi, Ouro Branco e Várzea, na Paraíba. 

Todavia, a vocação e idealismo natos de Cristino, dia-a-dia, o chamava à luta. Havia, sim, nascido para ser um trabalhador rural, mas não única e exclusivamente. Sua missão mais forte era a luta sindical. E no primeiro clarim que soou, abraçou esta causa com bravura incomparável, com o intuito de lutar pela causa dos seus companheiros do campo. Estava iniciada a sua luta em 1974, quando foi eleito delegado sindical da Palma. Daí para frente, a sociedade sindicalista ganhou um ardente e intransigente batalhador, líder de fibras longas a assimilar logo a filosofia do sindicalismo brasileiro. E foi crescendo em qualidades e virtudes, sempre na defesa dos trabalhadores do campo, assim como ele, desde menino franzino e raquítico. Não queria ver mais nenhuma vítima do descaso, da injustiça da política agrária brasileira. E para se aprofundar melhor na questão da terra e dos direitos dos trabalhadores do campo, travou uma luta sem par, com a ignorância da qual ele próprio foi vítima até rapaz. E como o seu maior desejo era estudar, uniu o útil ao agradável, pois, seu pai o matriculou em uma Escola Particular instalado no Sítio Cordeiro, município de São João do Sabugi, sendo sua primeira professora, dona Alda Maria da Silva, que procurou melhor seus conhecimentos. Porém no ano de 1958, ele concluiu o 3.º ano primário. Contudo, não satisfeito só com o 3.º ano primário, Cristino Jerônimo da Silva tomou conhecimento da instalação do Movimento de Educação de Base – MEB, aqui em Caicó, em março de 1964, coordenado por uma equipe de assessores e assessoras, sob a orientação do Bispo Dom Manoel Tavares de Araújo, e incentivado pelo Senhor Expedito Jorge de Medeiros e pelo coordenador, Padre João Medeiros Filho, ele decidiu estudar através da Escola Radiofônica do MEB. As aulas eram transmitidas pela Emissora de Educação Rural de Caicó, ele acompanhava pelo radinho de pilha – ABC, e as provas eram aplicadas na Ação Católica, no prédio onde funcionava a emissora rural, e ele percorria de bicicleta uma distância de 37 km para Caicó para vim fazer essas provas. Estudou pelo MEB, durante 1 ano e 6 meses, conseguindo concluir o 4.º e 5º ano primário. Em Caicó, estudou no Colégio João XXIII, onde concluiu a 6.ª e 7ª série ginasial. Também concluiu o curso de datilografia. E para aumentar ainda mais seus conhecimentos, participou de vários cursos de liderança sindical e comunitária, através do MEB, treinamentos de formação operária, através da Diocese de Caicó, ministrado pelo Padre Ausônio Tércio de Araújo, cursos de capacitação sócio-sindical e de interpretação da previdência social, este ministrado pelo INPS, cursos sobre sindicalismo rural, entre tantos outros. Tudo isso para integrar uma luta que havia nascido dentro do seu ser. E para aquele menino que nasceu tão carente e desprotegido, como eram seus pais, era o início de uma vitória sem limites. Era a porta de saída para fazer história na luta do sindicalismo rural. 

Cristino do Sindicato, como popularmente era conhecido, se filiou ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Caicó/RN no ano de 1972. No ano de 1973, Cristino Jerônimo iniciou sua vida no movimento sindical rural, sendo nomeado Delegado Sindical de Base do Distrito Palma. No ano de 1975 foi eleito Secretário do Sindicato, permanecendo nos dois cargos até o ano de 1978, e neste mesmo ano se elegeu Presidente da entidade, sendo reconduzido à presidência do sindicato por mais 6 mandatos, ficando, portanto, à frente da administração do sindicato por 7 mandatos (de 1978 a 2002), um período de 24 anos. Sendo assim, o companheiro Cristino, antes de assumir a presidência do sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó no ano de 1978, já ocupava dois importantes cargos neste mesmo sindicato: de delegado sindical da Palma e de Secretário do Sindicato, sendo ele destacado pelo zelo e dedicação com que desempenhava suas funções, como também pela honestidade, presteza, equilíbrio e moderação, além de uma visão muito ampla dos problemas e soluções para os trabalhadores rurais. Não lhe faltava esforços e nem tempo. Toda hora era boa para trabalhar e integrar qualquer movimento em defesa dos seus companheiros. Disposição jamais vista na região do Seridó, desde cedo descoberta pelo também companheiro, Expedito Jorge de Medeiros, que o incentivou a se integrar na luta sindical rural. Cristino Jerônimo da Silva já havia provado ser um baluarte na luta sindical brasileira, quando vinha de bicicleta, dois dias por semana, da Palma para o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó, exercer sua função se Secretário, eleito em 1975 e acumulando a função também de Delegado Sindical até 1978. Com a boa experiência adquirida ao lidar com os seus companheiros do campo, foi fácil chegar a presidência do Sindicato, em março de 1978. Cristino também esteve como Vice-Presidente do Sindicato de 2002 a 2013, como Primeiro Secretário, de 2013 a 2017, e atualmente estava Coordenador da Comissão Municipal da 3.ª Idade do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Caicó/RN. Ainda esteve no cargo de 1.º Membro do Conselho Fiscal da FETARN, no período de 2006 a 2010. Foi diretor do Círculo dos Trabalhadores Cristãos de Caicó – Círculo Operário, do Colégio João XXIII, procurando contribuir nos aspectos sociais e políticos da comunidade caicoense. Como dirigente sindical e agricultor familiar, Cristino disputou o cargo de vereador nas eleições municipais de Caicó no ano de 1988, ano em que se filiou ao Partido dos Trabalhadores-PT e no ano de 1992. 

Cristino jamais perdeu uma eleição sindical dos postos que disputou. Abraçou a luta do sindicalismo rural como ninguém. Devotado à causa que julga maior, os progressos de suas gestões consagradas e respeitadas foram tão grandes que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Caicó hoje tem sede própria, bem estruturada, resultado da luta que travou juntamente com os demais diretores/ diretoras e associados, tornando-se a realização de um sonho, tanto para Cristino, como para os demais diretores/as e todos os associados/as. Jamais fracassou diante da luta e sempre que pôde não hesitou buscar recursos e meios para ajudar os trabalhadores do campo. Sua inteligência e percepção foi recurso decisivo para tudo que reivindicava. Com suas características, habilidades e inteligência conduziu os conflitos mais difíceis e ríspidos até achar uma solução pacífica e útil para os sindicalizados. Sempre levando sua fala de moderação e justiça, equilíbrio e ponderação diante os fatos. Conviveu sempre com a verdade, sobretudo com honestidade e respeito, até mesmo dos não simpatizantes de sua reconhecida luta e liderança. Muitas vezes incomodava, principalmente a pessoas que eram contrários a luta de classe e que cometiam erros em prejuízo aos trabalhadores, porém não poupava críticas construtivas, mas sempre oferecendo soluções fáceis. 

Cristino foi, por muitos anos, apresentador do Programa “Em Marcha para o Campo, onde levava sua mensagem de defesa e apoio à classe trabalhadora rural. Destacou-se como verdadeiro palestrante, a convite de movimentos diversos da sociedade, inclusive do movimento estudantil. Enquanto representante do Sindicato, foi um dos que apoiou e lutou pela implantação e funcionamento dos cursos de direito e de Medicina aqui na cidade de Caicó, juntamente com a UFRN, a Diocese de Caicó e outras instituições e organizações não governamental. Teve um papel importante na inserção das mulheres no movimento sindical rural do Rio Grande do Norte. Participou de muitas lutas e travou várias batalhas em defesa dos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares; participou de vários Gritos da Terra Brasil e dos Gritos da Terra Estadual, realizados aqui no RN. Participou de atos públicos de 1º de maio, 8º de março, de atos públicos em defesa da saúde, educação, previdência e demais políticas públicas para os trabalhadores e trabalhadoras, tanto em nível local, como estadual e nacional e de atos em protesto ao programa de emergência. Participou de muitas reuniões e assembléias dos sindicatos, do Polo sindical, da FETARN, de congressos nacionais e estaduais, tanto em Natal como em Brasília e São Paulo. Participou ativamente da campanha nacional pelas “Diretas Já”, SOS-Seca, em 1983. Esteve muitas vezes em Natal e em Brasília, inclusive participou juntamente com representantes da CONTAG, das Federações, sindicatos e movimentos sociais, durante a instalação da assembléia nacional constituinte (1987-1988), instalada no congresso nacional, em Brasília, das mobilizações em gabinetes de ministros e das discussões que envolviam os interesses da população do campo, momento em que o movimento sindical alcançou significativas conquistas, como a inclusão dos rurais no regime geral da previdência social e a extensão dos direitos trabalhistas aos assalariados e assalariadas rurais. A constituinte tinha como finalidade elaborar uma nova Constituição Federal para o Brasil, a qual foi aprovada em outubro de 1988, após 21 anos de regime militar, e, a partir de então, a população pôde exercer o direito de escolher livremente seus representantes. Participou das campanhas salariais de 1982, 1983 e 1984, nas áreas canavieiras na região agreste do nosso estado, com o objetivo de reivindicar e a assegurar direitos e condições dignas de trabalho para os trabalhadores/as assalariados rurais. Sempre defendeu e representou a classe trabalhadora rural, quer em Caicó quer em qualquer outro lugar do território nacional. Trabalhou sempre buscando apoio e parcerias com a CONTAG, FETARN, Prefeitura e Câmara Municipal, Associações Comunitárias Rurais, DDAS, SEAPAC. Igreja Católica, Radio Rural de Caicó, EMATER, OAB, MEB, Sindicatos Urbanos, movimentos sociais, com o objetivo de levar políticas públicas para a zona rural e consequentemente ajudar no desenvolvimento das comunidades rurais do município de Caicó, da região do seridó e do estado. 

No seu histórico de 47 anos de lutas sindicais e sociais pelos povos do campo, Cristino Jerônimo da Silva sempre gozou de grande prestígio perante o movimento sindical e a sociedade norte-rio-grandense. Foi um lutador que nunca fugiu de suas responsabilidades e jamais desistiu diante das dificuldades. Foi um sindicalista classista que esteve sempre presente na luta e na defesa da classe trabalhadora. Sempre foi um homem de luta e resistência contra todas as injustiças praticadas aos trabalhadores rurais agricultores e agricultoras familiares. Sua história de vida sindical sempre foi inspirada e marcada por princípios éticos. Tinha argumentos firmes e históricos em defesa dos direitos da classe trabalhadora e um grande amor e dedicação pelo movimento sindical rural, tanto é que participou da vida sindical até os últimos minutos de sua vida. Um sertanejo, agricultor e sindicalista que sonhava e lutava por uma reforma agrária ampla, massiva e democrática, voltada para quem, de fato, trabalha e produz para alimentar a nação brasileira. 

Cristino se casou civilmente com Julita Júlia dos Santos Silva no dia 24/05/1994, recebendo Sacramento Religioso, no dia 28/05/1994, na Matriz de São José, em Caicó, na presença do Reverendíssimo Monsenhor Ausônio Tércio de Araújo e das testemunhas, Valquíria Chaves Fernandes de Lucena e José Procópio de Lucena, Noel Galvão e Lenilda Júlia dos Santos. Participaram de sua festa de casamento, que por sinal durou a noite toda até o amanhecer, familiares, amigos e sindicalistas de Caicó, da região do seridó e do estado. Cristino e Julita formaram um casal exemplar. Viveram em união e cumplicidade 26 anos de suas vidas. 

Naquele dia sombrio, dia 10 de maio de 2020, às 9h40 minutos, Cristino partiu deixando para trás tudo e todos. Naquele 10 de maio, Deus recebeu em sua morada um ser de luz que tinha compromisso com a luta sindical de base, com os direitos da classe trabalhadora e que lutou incansavelmente pelas causas das minorias, dos mais necessitados, pela igualdade de direitos. Um ser de luz que não tinha nem dia, nem hora para trabalhar em defesa do agricultor e agricultora familiar. Com certeza, o movimento sindical e a classe trabalhadora rural, em especial, a do RN, ficará mais frágil em sindicalismo classista, inteligência, em pensamento crítico e em compromisso com a luta sindical de base. 

Cristino Jerônimo se despede deixando um legado marcado pelo fortalecimento da ação e prática sindical, pela defesa da agricultura familiar e da agropecuária do semiárido nordestino, legado este que servirá de referência e resistência para nós, que aqui ficamos, pois as sementes que ele plantou serão semeadas por gerações que tem como ideologia a luta pela causa das minorias e por igualdade de classes. 

Esteja com Deus, Cristino, que seguiremos na luta que um dia você ousou começar e nela terminar seus dias. 

Saiba que hoje a morte nos separa, mas você estará sempre presente em nossos pensamentos, em nossas lutas e vivo em nossos corações. Até qualquer dia, companheiro, Cristino do Sindicato! 

Cristino Jerônimo, presente! 

De seus familiares e amigos da luta sindical. 



Musicas: 

Quem manda neste país detesta trabalhador – Alcimar Monteiro 

O Boi na Cajarana - Amazan 

Brincadeira na Fogueira - Trio Nordestino 

Canção: “Cristo é meu Advogado” 

Filho do dono – Flávio José

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