quinta-feira, 8 de junho de 2017

Se há déficit na Previdência Social, por que perdoar dívidas do agronegócio?




FOTO: Otávio Nogueira


CPI da Previdência do Senado Federal está convocando representantes de diversos setores do agronegócio para questioná-los sobre as dívidas de diversas empresas com a Previdência Social, ao não repassarem o percentual de 2,1% sobre as vendas das produções agropecuárias. É preciso acompanhar essas investigações, para esclarecer que, se existe mesmo um “rombo”, como alega o governo, este pode ser consequência de sonegação fiscal – além de desvios de recursos da Seguridade Social por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU) e também da destinação de quase 50% do PIB brasileiro para pagar juros de uma dívida pública nebulosa.

Empresários do agronegócio questionavam há anos a cobrança da taxa de 2,1% sobre a produção, destinada a custear a aposentadoria dos trabalhadores rurais e deixaram de pagar o tributo graças a liminares. Havia cerca de 15 mil processos tramitando na Justiça para suspender esse pagamento. Mas, no dia 30 de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a cobrança é constitucional e deve ser feita. Assim, foi estimado em cerca de R$ 10 bilhões o montante devido pelo agronegócio para a Previdência Social. 

A bancada ruralista no Congresso Nacional, cujos parlamentares são também alguns dos maiores empresários do agronegócio brasileiro, movimentou-se junto ao presidente Michel Temer para articular uma maneira de não pagar essa dívida. No dia 31 de maio, Temer editou uma Medida Provisória (MP 783/2017) que torna possível desconto parcial de multa e juros, mas já existe a discussão no Congresso Nacional sobre a modificação do texto para que o perdão seja bem mais amplo.

Além disso, tramitam no Congresso Nacional sugestões de projetos de lei criando uma anistia específica (Refis) para o pagamento dessa dívida – o PL do Senado nº 132/17, de autoria do senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), “concede remissão e anistia totais para os produtores rurais pessoas físicas em relação às contribuições sobre a comercialização da produção rural, inclusive juros de mora, multas de mora e de ofício” e o PL da Câmara nº 7573/17, de autoria do deputado Cleber Verde (PRB-MA), “concede remissão e anistia total para os produtores rurais pessoas físicas em relação às contribuições sobre a comercialização da produção rural”.

A advogada trabalhista Jane Lúcia Berwanger, do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), questiona essa atitude do governo federal. “Se o governo afirma que há déficit na Previdência Social, por que toma medidas que, na prática, perdoam as dívidas dos grandes produtores rurais?”

Para a CONTAG, trata-se de uma contradição no discurso do governo federal, pois está cedendo aos apelos da bancada ruralista em troca de apoio à sua proposta de reforma da Previdência Social. “Os ruralistas propõem ainda a redução da taxa cobrada na venda da produção de 2,1% para apenas 1%. Ora, se supostamente existe um rombo na Previdência, qual o sentido de diminuir a taxa e, dessa forma, reduzir a arrecadação agora e para o futuro? Anistia quem pode e deve pagar, mas quer cobrar contribuição individual todo mês de quem não tem renda mensal garantida. Isso mostra claramente não se tratar de reforma; é desmonte, é restringir e reduzir direitos”, questiona o presidente da CONTAG, Aristides Santos. “Consideramos a forma atual de contribuição a mais adequada para o trabalhador e a trabalhadora rural, pois está de acordo com a realidade econômica e de produção no meio rural. Não aceitaremos mudanças prejudiciais aos agricultores(as) familiares e aos assalariados(as)rurais”, afirma o dirigente.

Previdência não é déficit, é redistribuição de renda

Precisamos lembrar sempre que o argumento utilizado pelo Governo de que os trabalhadores e trabalhadoras rurais não contribuem para a Previdência Social é falso, pois a contribuição é cobrada a cada venda realizada pelos(as) agricultores(as). A CONTAG defende a regulamentação dessa cobrança em todos os estados brasileiros, além da fiscalização do repasse do valor pago pelos agricultores(as) para as empresas compradoras à Previdência Social. 

Além disso, é necessário reforçar que a aposentadoria dos segurados especiais é um direito adquirido devido às condições especiais de trabalho a que são submetidos: de acordo com a PNAD 2014, mais de 70% deles(as) começa a trabalhar antes do 14 anos, sem direito a férias, feriados, finais de semana, sob as mais diversas condições climáticas, exercendo um trabalho penoso e sem acesso pleno a políticas públicas como educação, saúde, saneamento, transporte, tecnológica, lazer, etc. Tudo isso para garantir a produção de mais de 70% dos alimentos que consumimos todos os dias.

A Previdência Social faz parte do sistema de Seguridade Social e, dessa forma, tem diversas fontes de renda garantidas pela Constituição Federal de 1988. Em audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Cidadania do Senado Federal, o pesquisador do IPEA Alexandre Arbex apresentou o estudo “Reforma da previdência, agricultura familiar e os riscos de desproteção social”, elaborado por ele e pelo pesquisador Marcelo Galiza. O estudo mostra que a Previdência Social é uma política pública que beneficia cerca de 13,5% da população do país, a um custo de somente 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB). Assim, para os pesquisadores, parece mais adequado considerar a previdência rural como gasto social que como déficit. Arbex e Galiza citam estudos de diversos especialistas – inclusive um estudo publicado em 2006 por Marcelo Caetano, atual secretário de Previdência Social do Ministério da Fazenda, um dos defensores da proposta de Michel Temer – que reconhecem o imenso potencial de distribuição de renda da Previdência Social.

“A previdência rural é a principal fonte de renda das famílias rurais: cerca de 32% da renda per capita dos domicílios rurais vêm dela. Portanto, a previdência responde por 1/3 da capacidade de consumo dessas famílias. Mais de 2/3 do valor total dos benefícios rurais foram destinados a municípios de até 50 mil habitantes, uma injeção de R$5,6 bilhões na economia desses pequenos municípios só em janeiro de 2016”, afirmam Arbex e Galiza em sua apresentação.




FONTE: Assessoria de Comunicação da CONTAG - Lívia Barreto

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